Luxúria, Avareza, Preguiça, Ira, Inveja, Soberba e Gula são os pecados capitais definidos no século XIII por São Tomás de Aquino quando redigiu a Suma Teológica. São capitais porque vem do latim caput que quer dizer cabeça, capítulo, sendo assim um pecado incentiva o outro a aparecer. É a cabeça e o corpo sempre juntos. Não existe ira sem inveja; preguiça sem a gula; soberba sem avareza e assim vai. Mas por que pecados e não demônios? Pecado é transgressão as normas divinas, mas se você não acredita em Deus, nunca será um pecador? Com um pouco de vaidade e muita pretensão renomeie os pecados capitais de demônios. Demônios são mais próximos do que é humano. Vale lembrar que o maior demônio, o Lúcifer, era um anjo, um anjo iluminado, aquele que trazia a luz. Na grande obra de Guimarães Rosa, o Grande Sertão: Veredas, é dito: “ o diabo não há! Digo que for, o que existe é o homem humano. Travessia.” Pois é, diariamente somos acometidos pelo toque demoníaco dos sete pecados em nossa travessia pela vida. Atire a primeira pedra quem nunca invejou? Quem nunca foi avarento? Quem nunca protelou em fazer um trabalho por preguiça? Quem nunca exagerou no vinho, churrasco e depois ficou arrependido? Quem nunca criticou por ira ou inveja? Eles, demônios, se fazem presentes diariamente, passam discretamente daí serem demônios, fingem que não existem. Os estoicos lutavam contra as emoções mais instintivas, acreditavam que estariam no comando da vida; os vícios são quentes, a razão é fria.
“Me digas o tamanho do seu apego, que direi o tamanho do seu sofrimento”. O budismo afirma que quanto maior nosso apego, maiores serão nossas dores. O avarento sofre diariamente pela possibilidade de perder o que já tem, pouco importa a beleza, a poesia, o momento, ele avarento estipula preço e não valor. Tem gente que é avarenta de sentimentos leves, tem abraços minguados e sorrisos pobres.
Sêneca dizia que a ira é uma breve insanidade, aquele momento do blecaute da razão que pode causar feridas que nunca cicatrizarão. Irados somos desde a saída do ventre, já saímos chorando e revoltados. Somos seres iracundos, somos preconceituosos e críticos, “o inferno sempre são os outros”, já filosofava Sartre.
É sabido que o vinho bebido moderadamente é a alegria da alma e do coração, já bebido em demasia é a aflição da alma, o excesso gera a embriaguez, inspira a ousadia e faz pecar o insensato, abafa as forças e causa feridas, isso está escrito em algum lugar da bíblia. A gula que parece insignificante é sempre um portão de entrada para os outros demônios. É só deixar o guloso com fome que logo virá a ira; se o guloso encher a barriga vem a preguiça, o demônio do meio dia. Um dos estratagemas para vencer a luxúria e ser guloso na hora do almoço, logo o demônio do meio dia se fará presente. Adeus luxúria.
A minha inveja se faz latente a quem é próximo a mim, escritor inveja escritor, terapeuta inveja terapeuta, atriz inveja atriz, médico inveja médico; mendigo inveja mendigo; a inveja é sempre comparativa e injusta. Invejamos o que é bom, bonito e belo. A inveja é nossa tristeza pela felicidade alheia foi assim que São Tomás de Aquino definiu o pecado envergonhado. Você já deve ter ouvido: “sou gulosa”, “sou avarento”, “sou luxurioso”, “preguiçoso,” “sou pavio curto”, mas duvido ter ouvido uma confissão: “sou invejoso”. Somos invejados, nunca invejosos, grande mentira.
E a tal da preguiça? Essa parece inocente, mas Confúcio afirmava que a preguiça anda tão devagar, mas tão devagar que a pobreza consegue alcançar. Dê função ao preguiçoso que logo ele se tornará irado. “Amanhã eu começo”, “depois eu faço”, ao preguiço falta disciplina, ele esquece que disciplina é uma forma de amor.
Sexo e amor juntos é uma delícia, o congraçamento ao divino, a realização do corpo e alma. Talvez a maior força instintiva junto com a fome seja o sexo, a procriação. Mas o homem é um ser desejante, vide o Banquete de Platão e como tal o desejo pode ser tornar compulsão, excesso, a luxúria. O corpo é cativeiro da luxúria, lá acontecem as realizações fugazes do instinto sexual. Sentimento escravizante e viciante, o desejo da carne.
Por último a soberba, o demônio mais solitário de todos. O magnânimo, “eu sou melhor que todos, a minha existência é um favor a humanidade, portanto pouco importa o que acham de mim.” O soberbo é mais que o vaidoso e orgulhoso. A vaidade até faz bem, ajuda na autoestima e o orgulho faz a gente tentar ser melhor, talvez um pequeno desvio ético, não mais que isso. Já a soberba é a desgraça dos egoístas, invejosos e solitários. “Prefiro ser príncipe no inferno a escravo no paraíso”, afirmou Lúcifer que deixou de ser nós para ser eu, puro egoísmo, uns dos tentáculos preferidos do soberbo.
Todos os sete demônios a serviço do oitavo demônio, sem o oitavo demônio os outros sete não existiriam, por isso mais uma vez concordo com Guimarães Rosa: “o que existe é o homem humano...” Você conhece seu oitavo demônio?
Paulo Azevedo - é escritor do romance “O oitavo demônio.”
Escritor e Filósofo
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