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Foto do escritorTatiana Auler

Não há possibilidade de transformação sem sacrifício.




There are more things in heaven and earth, Horatio, than are dreamt in your philosophy.

Há mais coisas no céu e a terra, Horacio, do que sonha a sua filosofia. 

Hamlet - William Shakespeare



O conceito de sacrifício foi abandonado quase que por inteiro nos dias de hoje.  Poderíamos dizer que passou até a ser desprezado pelas pessoas em geral. Não há nenhuma tolerância ou aceitação com relação a qualquer tipo de sacrifício, seja ele individual ou coletivo, singular ou relevante. Meu propósito aqui é ir no contrafluxo dessa tendência moderna e sair em defesa do relegado conceito de sacrifício para tentar resgatar a oportunidade de transformação e crescimento emocional. Para isso, nos serviremos de um dos conceitos centrais desenvolvido  por C. G. Jung em sua vasta obra, a Individuação, que tem como elemento inerente e fundamental o sacrifício, uma vez que não há possibilidade de transformação sem sacrifício.


A palavra sacrifício tem suas origens etimológicas no latim e deriva de sacrificare, “fazer sagrado”, “consagrar”. Do latim sacrificium,  de sacer (sagrado) + ficium (feito), do verbo facere (fazer). O ofício ou trabalho sagrado é aquele que leva à transformação e consequente à incorporação de algo de uma outra realidade, uma realidade até então desconhecida. O sagrado sempre se manifesta como uma ordem totalmente diferente das realidades "naturais" . Daí, já podemos concluir que se trata de algo de grande relevância para o ser humano, algo de profundo significado e valor interno.  


Essa renúncia é o sacrifício. A menos que o ego aceite sacrificar sua posição, não há possibilidade de  transformação, de entrar em contato com o novo e abrir-se para uma atitude nova e transcendente. No "Livro da Mutações", Helmut Wilhelm explica o significado de sacrifício de forma bastante alinhada com a abordagem de Jung: “… o propósito do sacrifício é manter aberta a comunicação com o divino e com os espíritos que habitam o mundo inconsciente.  O sacrifício é um ato no qual esta comunicação é consumada.” Em outras palavras, o sacrifício abre as portas para a conexão com uma dimensão muito maior em nós mesmos, que vai muito além dos limites da consciência. 


O tipo de sacrifício demandado pelo Self ( por meio da consciência) é o sacrifício de um velho status vivendi, estilo de vida ao qual o ego se agarra desesperadamente – aquilo que ele chama de seu ou eu – e também o sacrifício de expectativas pessoais e de terceiros com as quais o ego não consegue deixar de se identificar. Essa experiência é possível à medida que o ego desobstrui o caminho e permite que o inconsciente lidere. O resultado é a liberação e recanalização da energia psíquica, o que implica na transformação pessoal. 


Essa abordagem, porém, não é de forma nenhuma amplamente aceita nos tempos de hoje, momento que  talvez pudéssemos qualificar como uma "Ditadura da Felicidade". As pessoas têm uma enorme dificuldade em abrir mão que qualquer coisa e são levadas a crer que podem controlar tudo e ter tudo. E pior ainda, a maioria das pessoas acredita que se não tem tudo é por que falhou em algum ponto, tornando-se passível aos olhares críticos e condenadores da sociedade: "Sou um fracasso, um 'loser' ".

Na verdade, só existe libertação do ser no processo constante de autoconhecimento e transformação, na entrega e aceitação de algo maior e desconhecido com o qual  frequentemente nos deparamos no ato do sacrifício: meu próprio caminho ou destino. Essa magia é poeticamente descrita por Jung: “Não sou eu que crio a mim mesmo, na verdade, eu aconteço a mim mesmo.” CW11 par.391. Assim sendo, é possível evitar o círculo dos eternos retornos em vida, que seria o congelamento ou fixação psicológica e traduz-se na neurose, uma vez que “É aquele sem amor fati que se torna o neurótico, pois ele realmente perdeu sua vocação.” CW17, par.313.


Ana Paula Garbuglio

Psicóloga

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